Por Vanessa Guazzelli Paim
Mais uma vez, chegamos ao fim. Com a Lua Nova, chegamos ao fim da lunação que se iniciou logo após o Natal, quando se abria a temporada de eclipses, temporada esta que culminou com a conjunção de Saturno e Plutão em Capricórnio, significadora do GRANDE FIM – conjunção esta que também concluiu agora seu auge (conjunção partil, de um grau). Deixa, no entanto, sua indelével marca – ou marco, um inegável antes-e-depois – e se desdobra em muitos aspectos e acontecimentos com o matiz capricorniano ao longo do ano. O tão aguardado – e temido – ano de 2020, começou com o fim e terminará com o começo. Mas, iniciemos pelo fim, o grande fim. É dele que advirá o começo.
Saturno-Plutão
Saturno conjunta Plutão a cada 30 a 36 anos aproximadamente. No entanto, esta conjunção acontecer em Capricórnio já nos remete a um período bem maior. A derradeira vez que estes dois pesos pesados se encontraram no estrutural signo de Capricórnio foi em 1518, num período em que se somavam significativos aspectos astrológicos, e descobrimentos, invasões e renascenças reestruturavam mundos.
Antes disso, este encontro aconteceu em 1284, ano que traz uma peculiaridade interessante: foi quando a Sereníssima República de Veneza começou a emitir em ouro o Ducato, fazendo frente ao Florin, de sua rival Florença, e em resposta à desvalorização do Hyperpyron bizantino, que era até então utilizado para pagar as mercadorias do Oriente que os venezianos traziam à Europa. A nova moeda veneziana – contendo 3,5 gramas de 99 % de fino ouro, da mais alta pureza que a metalúrgica medieval era capaz de produzir – se torna a principal do Mediterrâneo Oriental e padrão para a Europa nos próximos 600 anos, chegando a ser imitada por outros países. O Ducato surge, portanto, com Saturno e Plutão em Capricórnio, signo da credibilidade e durabilidade.
A próxima conjunção de Saturno com Plutão em Capricórnio dar-se-á em 2754, sete séculos à frente, não nos adiantemos tanto agora. Mas, tenhamos perspectivas da significância de nosso tempo.
Aspectos não são nem agentes nem mensageiros únicos, mas participam de um determinado contexto, uma determinada configuração astrológica de um momento ou época, compondo uma mensagem ou indicando uma pauta – às vezes como coadjuvantes, às vezes como protagonistas, mas nunca isolados.
A conjunção Saturno-Plutão é certamente protagonista. Traz o tom do fim e, ao mesmo tempo, do que se firma profundamente na raiz. Do que é arrancado pela raiz, por já não ser mais seu tempo, e do que se instaura e vigora, com profundos alicerces.
Júpiter-Saturno
Outra protagonista do marcante ano de 2020 é a conjunção de Júpiter com Saturno em Aquário. Este é o começo. Inaugura-se o período das conjunções Júpiter-Saturno no elemento Ar. Estes dois planetas se encontram a cada 20 anos aproximadamente. Contudo, mantêm suas conjunções em um mesmo elemento por cerca de 2 séculos e, quando se dá a transição de elementos, observam-se significativas alterações socioeconômicas. Desde 1842, Júpiter e Saturno vinham se encontrando no elemento Terra, quando, do advento da revolução industrial, surgiram impressionantes possibilidades de materialização – desde então, quantos novos objetos surgiram… O desenvolvimento material marcou contundentemente este período. Agora, da matéria passaremos aos temas do elemento Ar pelos próximos dois séculos – até que em 2219 conjuntem-se em Escorpião, signo de Água.
Perceberemos mais efetivamente como tudo que é sólido se desmancha no ar… Por vias invisíveis se propagam conexões digitais e palavras e imagens se transmitem quase tão rápidas quanto o pensamento. O que talvez seja o mais simbólico da ênfase material, o dinheiro, passa à esfera digital – seja pelo uso crescente de criptomoedas, seja pela própria digitalização do sistema bancário. Ao mesmo tempo em que a falta de consistência do sistema financeiro se evidencia. A guerra da informação se acirra e as ideias e ideais compartilhados passam a ter ainda mais peso. Se a produção de objetos não garante nossa existência, o que mesmo nos dá sentido? No ar, temos o espaço da partilha, nos deparamos com o outro – como então nos articulamos? Não mais como em árvore, mas como em rizoma.
Júpiter-Saturno conjuntam-se a zero grau de Aquário e o tom aquariano será visto no incremento tecnológico e nas inovações de infraestrutura – vide as novas rotas da seda, a Iniciativa Cinturão e Rota, como também o empenho chinês por um crescente avanço tecnológico e mesmo a reestruturação política na Rússia, que descentraliza e melhor distribui o poder. Se em Leão há concentração na figura de uma estrela ou rei, em Aquário há irradiação, com todo um céu de estrelas.
O começo, que se dá no fim – a conjunção Júpiter-Saturno, merece um artigo próprio. Aqui me atenho a articular fim e começo, que não à toa se dão com Saturno, marcador de limites e tempos. Com Plutão o fim, com Júpiter o começo – ainda que cada fim possa ser, enfim, também início. Não apenas de inícios e finais é feito 2020 e transformações na humanidade não se limitam a um único ano. Porém, há anos que se tornam únicos, por atos de ruptura e de costura que reestruturam a tessitura do tempo e dos mundos.
Em Franca Mutação
A passagem da GRANDE MUTAÇÃO – como é chamado tradicionalmente o ciclo das conjunções de Júpiter-Saturno nos elementos – ao elemento Ar se dá em 21 de dezembro de 2020. Mas, há pela frente todo um ano, que já começou com a ameaça de um grande fim, mexendo por via muito concreta com o imaginário – de um brutal e intencional assassinato, a ameaça de uma WWIII.
Até este janeiro de 2020, em que finalmente culminou a conjunção de Saturno com Plutão em Capricórnio, a tensão vinha se intensificando, se fazendo sentir cada vez mais concretamente, tanto com os paralelos entre estes planetas (2015-2016), como o ingresso de Saturno em Capricórnio (Dez/2017). Na medida em que caminhávamos para este janeiro e o auge de Saturno-Plutão, era como caminhar ao fim, ao precipício – vertigem, gravidade, colapso – como se mais pulsasse morte do que vida. Mas como ocorre com as pulsões em nós, mesmo a pulsão de morte pode se inscrever criativamente, convertendo-se em vida. A morte aprofunda a vida e nos faz despertar. De fato, este mês de janeiro trouxe uma incrível potência alquímica, possibilitando rupturas definitivas com padrões pulsionais e a instauração de novos mapeamentos da força vital em nós – elevação da Kundalini, diríamos na Índia.
Um detalhe astrológico significativo desta conjunção de Saturno com Plutão é que, no dia do aspecto exato, 12/Jan/2020, conjuntaram o mesmo grau 22 de Capricórnio também o Sol e Mercúrio. O Sol iluminando o âmago da pulsão e Mercúrio trazendo seu caduceu, bastão adornado por duas serpentes em sentindo ascendente – do entrelaçar das pulsões de morte e de vida, uma elevação alquímica, a partir da qual surge toda uma potência de realização, que agora é a tônica.
Ainda que caminhemos para a tal ênfase do elemento Ar a que me referi, não nos equivoquemos. A séria e concreta realidade das coisas tem agora toda a importância – disto nos fala este encontro de Saturno e Plutão no estrutural, maduro e exigente signo de Capricórnio.
Trata-se de um ano em que fazer de verdade, com consistência e dedicação, é o que importa. Concretizar, bancar e – observando-se também a Lua em Leão do momento da conjunção – mostrar a que se veio. Isto porque a responsabilidade essencial de cada um com sua contribuição ao mundo, urge. Sem pressa e sem demora. Não é ano para os afoitos, mas para os consistentes. Tampouco é tempo de posicionamentos ambíguos – não serão respeitados. A radicalidade do que tem raiz e a firmeza de propósito possibilitam que o que se construa tenha consistência.
Mas é tudo dureza? Sim e não. Em termos geopolíticos, a pegada é muito séria. O capitalismo sempre se alimentou das ameaças de fim para se reinstalar. No entanto, o neoliberalismo avassalador não possibilita alternativas nem mesmo para si próprio. Há um Império em declínio que resiste, esperneando feroz, e um avançar de um mundo multipolar ainda com muitos desafios. Com a atual configuração astrológica é inequívoco afirmar que são tempos de mudanças de sistema-mundo. Estamos em franca reconfiguração, que se explicita na Batalha das Eras, como explicado por Pepe Escobar.
Para além do fim, a força da vida é sempre – e talvez mais ainda quando ameaçada – exuberante. Há mapas astrológicos pessoais em que a conjunção peso pesado fez uma difícil quadratura, enquanto em outros faz facilitadores trígonos – desafios e bem-aventuranças da vida cotidiana. R.E.M., já no final dos 1980 se deparava com o fim e dizia “It’s the end of the world as we know it, and I feel fine”. Há até quem possa vir a cantar, como Rihanna, “We found love… in a hopeless place”.
It does seem like a pretty hopeless place, doesn’t it? No entanto, há sempre a música, as artes, aquelas que apreciamos e estas a que nos dedicamos, o viver, o amor, que fazem de toda a doideira global uma aventura épica. Se com Gramsci poderíamos novamente observar que o velho ainda está morrendo, mas que não há ainda um novo mundo, é porque ainda é preciso sonhá-lo, criá-lo entre nós. Abismo é também espelho de céu, como bem mostra meu amigo Tiago Rocha Pitta em sua sublime obra, o Abismo. E se a ênfase capricorniana destaca o trabalho, o ofício, façamos desta aventura uma bela obra vivida. Para além do fim, o início.
Vanessa Guazzelli Paim
25/Jan/2020